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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Pra pensar nas tradições

Sou professor de História e, consequentemente, muito apegado às histórias e estórias da cerveja. Também sou um apaixonado pela cultura brasileira. Assim, desde que comecei a estudar sobre cervejas e cultura cervejeira, o que mais me chama a atenção é o aspecto cultural de todo esse universo. Confesso que senti um certo desconforto, no início. A cerveja é um produto que não é "originário" do Brasil, apesar de ser amplamente consumido por aqui. E isso me fazia pensar, algumas vezes, que falar de cultura cervejeira no Brasil era forçar a barra. Realmente, por um lado, acho que é. Mas por outro, tenho razões para achar que não.
Eu me explico. Realmente, falar, hoje, de uma cultura cervejeira, da mesma forma que ela está organizada nos países de tradição cervejeira, é forçar a barra. Ainda engatinhamos no que diz a termos hábitos saudáveis e de consumo de cerveja de qualidade. No Brasil, infelizmente, cerveja ainda é, para a grande maioria das pessoas, uma bebida cor de palha, sem gosto, sem cheiro e que deve ser consumida aos litros. Não levamos a sério (os brasileiros, no geral) o lema do "beba menos, beba melhor". Mas isso, felizmente, está mudando: cada vez mais pessoas descobrem os prazeres das cervejas de boa qualidade, com dua diversidade de aromas e sabores.
Quanto à presença da cerveja no Brasil, acho que há argumentos para acreditar que não seja nenhum "estrangeirismo" exagerado, cultivar a tradição cervejeira em terras tupiniquins. Acredito que pela "juventude" do nosso país, não se pode falar em tradições genuínas brasileiras. Nosso processo de colonização, por si só, já foi marcado pela introdução de elementos culturais "forasteiros". Não quero menosprezar a matriz cultural dos povos indígenas. Pelo contrário, acredito que ela mereça o mesmo destaque que as demais matrizes. Acontece que indígena não é sinônimo de brasileiro. Tornamo-nos um país, propriamente dito, a partir do século XIX. Com algumas divergências teóricas, podemos afirmar que nos reconhecemos como brasileiros há cerca de 200 ou 200 e poucos anos. Temos, é claro, elementos tradicionais, com mais do que isso, como por exemplo a cachaça, que data do século XVI e é um produto com a cara do Brasil.
Mesmo assim, falar do cultivo de uma tradição e cultura cervejeiras no Brasil não é render-se aos valores europeus. Da mesma forma que tivemos portugueses, espanhóis, indígenas, africanos das mais diversas etnias presentes na formação do povo brasileiro, também tivemos a presença marcante de imigrantes oriundos de nações com tradição cervejeira, como a Alemanha e a Inglaterra. Para se ter uma ideia, a cervejaria cervejaria artesanal mais antiga do Brasil, a Canoinhense, de Santa Catarina, do emblemático seu "Lefra", foi fundada em 1908.
 Cervejaria Canoinhense, SC
Seu "Lefra"

Nesse caso, de 200 anos de vida civil como um país independente, temos uma cervejaria com 100 anos. Além disso, o primeiro registro histórico de fabricação de cerveja no Brasil data de 1836, ou seja, dos primórdios da nossa vida política e organização como um país. Isso ajuda a demonstrar que a cerveja é um alimento com história dentro da nossa História. Ainda que nossa cultura tenha começado a ser gestada desde o século XVI (ou até mesmo antes disso), o Brasil não existia até 1808. Éramos apenas a América portuguesa. Logo após o início de nossa história (mais ou menos) autônoma, com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808, já temos nossa tão querida bebida presente aqui.
Acho que, assim, consigo ilustrar um pouquinho da nossa "tradição" cervejeira e demonstrar que cerveja pode sim, ser vista como um produto brasileiro, ligado à nossa história e à nossa tradição. Mais que isso, acho que é importante lembrar que a nossa história e a nossa cultura, não estão prontas e acabadas: ainda estão em construção e o papel da cerveja em nossos hábitos e costumes ainda está por ser definido. Eu, particularmente, aposto no enraizamento desse delicioso hábito que, assim como a cachaça, o açaí, a carne-seca, a mandioca e a feijoada, tem tudo para se tornar um produto nacional.
É isso. Saúde!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Cerveja, História e Religião

A cerveja é uma bebida produzida a partir de grãos. Assim, sua origem, segundo historiadores, está ligada às civilizações que conseguiram dominar a agricultura, no período chamado de Revolução Agrícola. O que aconteceu nesse período, na prática, foi que os homens (muito provavelmente, as mulheres) compreenderam a técnica necessária para se plantar e colher alimentos. Até esse momento, o homem era nômade, ou semi-nômade, caçando animais e coletando os alimentos necessários à sua sobrevivência, mudando-se quando estes se esgotavam.As primeiras civilizações surgiram daí. Com o homem fixado, a população cresceu, surgiram as primeiras cidades e estruturas hierárquicas de poder. Provavelmente, em um "acidente", grãos armazenados sem proteção devem ter passado pelos processos de malteação e fermentação, dando origem à cerveja.
Entre esses povos, o sucesso da colheita era, também, a sobrevivência de todo o grupo. Por isso, entre essas civilizações é comum a presença de cultos, deuses e divindades ligados à virilidade, à reprodução, à fertilidade. Não se trata só da conotação sexual de tais ideias, mas também da perspectiva natural que elas têm: o homem que fecunda a terra; a terra que é fértil e produz o alimento; a vida que se reproduz. Vários momentos do ano, ligados à mudança de estações, aos períodos de colheita tornaram-se motivos de festas e festivais religiosos. Esses festivais pagãos foram, com o passar dos séculos, incorporados às tradições cristãs. Acontece que a cerveja deve ter adquirido um papel importante nesses ritos e festividades, que acabou permanecendo, mesmo com as mudanças religiosas.
É por isso que vemos a existência de vários rótulos e estilos de cervejas que são feitos em momentos específicos do ano. Um bom exemplo, são as cervejas DoppelBock. Originárias da cidade de Einbeck, na Alemanha, eram produzidas na segunda quinzena de março, período em que há o equinócio de primavera no hemisfério norte (fim do inverno e começo da primavera) e o dia de São José. Nesse período, os sacerdotes passavam por jejuns, em que não podiam comer nada durante o dia. Contudo, beber não estava entre as proibições. Para isso, uma cerveja forte era preparada.
Esse ano tivemos um resgate dessa tradição, realizado pelas cervejarias Bamberg e Abadessa, como já publiquei aqui, em maio desse ano (http://www.belogole.blogspot.com.br/2012/05/starkbierzeit-2012-bamberg-e-abadessa.html).
Como se pode ver, o consumo da cerveja sempre esteve ligado a uma ritualização. Nada mais justo que valorizemos essa forma de consumo. Cada um pode criar o seu "ritual", desde a escolha do rótulo, o momento certo para degustá-lo, a companhia ideal para celebrar até o momento do consumo propriamente dito. Em outras postagens tentarei trazer mais algumas informações sobre a Cerveja ao longo da História.